quinta-feira, 5 de abril de 2012

Como fazer o carteiro morder o cachorro

Estes dias troquei mensagens sobre a importância de o America voltar a ser destaque na mídia.

Concordo em gênero, número e grau. O America só vai voltar a crescer, captar parcerias fortes e investidores e conquistar novos torcedores se voltar a ocupar espaço de qualidade nos veículos de comunicação.

Quando assumi a Diretoria de Marketing do America, em setembro de 2005, o clube estava sem equipe de futebol profissional por não estar disputando a Série C do Campeonato Brasileiro.

O America era - assim como hoje - uma marca quase sem exposição na mídia. Para que se tenha uma ideia, o valor de exposição durante o Campeonato Carioca de 2005 havia sido inferior a US$ 350 mil. 

Faço aqui uma observação: este valor é calculado com base na exposição em veículos de comunicação. Seria o equivalente a dizer que é quanto se pagaria para se ter determinada centimetragem em jornais e revistas ou minutagem em rádios e televisões. É um dos aspectos que as empress analisam ao decidir sobre patrocínio.

O cenário era terrível: apenas 2 jogos transmitidos na TV - um na Globo e outro no SporTV. Espaço com destaque só no Jornal dos Sports. Para agravar, havia 20 anos que o America não era protagonista em NENHUM campeonato. Muitos julgavam até que o America não daria a volta por cima. 

A primeira coisa que precisava ser feita era reinserir o America na mídia. Só que na época o clube não dispunha de assessoria de imprensa (o Jorginho quando chegou em novembro trouxe a dele, pessoal). 

Precisava criar fatos que justificassem a publicação de notícias positivas, mostrando que o America estava em processo de reestruturação. Existe uma regra - verdadeira "Lei" - no jornalismo: se o cachorro morde o carteiro não é notícia, o contrário é PRIMEIRA PÁGINA!!! 

Contratou-se o Jorginho. Um tetracampeão que tinha começado a carreira de jogador no America voltava para casa para iniciar outro ciclo. Houve algum destaque em jornais, mas nada excepcional. 

Firmei então uma parceria com uma empresa de marketing esportivo da Noruega, a Intersports, que TODA semana de dezembro contratava um jogador estrangeiro e pagava boa parte do salário. O primeiro foi Martin Del Campo, lateral direito, que até dois anos antes era titular absoluto da Seleção Uruguaia. Começamos a aparecer na TV (Globo, SporTV, Band e ESPN) e em jornais não especializados (O Globo, Jornal do Brasil, Extra e Meia Hora).

Logo depois veio o Baeta, titular da Seleção Dominicana, eleito o melhor goleiro da CONCACAF. Passamos a ter atletas convidados para participar de mesas redondas tradicionais (TVE, SporTV, Band, rádios Globo e Tupi) e aumentamos a exposição. O Jorginho trouxe também jogadores de primeira linha, com passagens pela Seleção Brasileira, que estavam sem mercado, o Robert e o Valber. Mais espaço na mídia.

Antes do final do ano vieram mais dois jogadores argentinos. O terreno estava pronto. O America voltava a ter credibilidade na mídia. Todas as reportagens se referiam ao clube com carinho, de forma positiva.

Mas o melhor estava por vir. logo após o Natal, a Intersports ofereceu a possibilidade de trazer para o Campeonato Carioca o Pentacampeão Rivaldo, que jogava no Olimpyakos. Seria uma negociação complexa, envolvendo uma transferência de ativos, recursos e jogadores entre Intersports, Real Zaragoza, Olimpyakos, Malmo (Noruega) e America. O negócio era para ser sigiloso. Mas a notícia vazou.

O Globo publicou a notícia na primeira página e dedicou UMA PÁGINA E MEIA falando da reconstrução do clube. Naquele dia o Jornal Nacional trouxe uma matéria de DOIS minutos falando sobre o America. Para que se tenha uma ideia do valor disso, o SEGUNDO no JN custa cerca de R$ 10 mil. Na reportagem o Tadeu Schimidt perguntou para o Rivaldo quais as reais possibilidades de ele voltar para o Brasil. Dizia-se na época que estava negociando com Flamengo Grêmio e agora America. Resposta do Rivaldo: "não estou negociando nem com Flamengo, nem com Grêmio".

A exposição na mídia deu um salto. Na apresentação do elenco, marcada para a sede em Campos Salles, o Teatro Max Nunes estava lotado. Mais de 200 jornalistas de QUATORZE PAÍSES. Antes do campeonato começar, a exposição havia chegado a US$ 12 milhões, 40 vezes maior que a média dos 10 anos anteriores.

O time correspondeu às expectativas e foi finalista da Taça Guanabara. O valor de exposição na mídia entre dezembro e o dia seguinte da fatídica final contra o Botafogo atingiu US$ 28 milhões. Alguns dias antes da final da Taça Guanabara, entreguei meu cargo para o Presidente Reginaldo Mathias, por discordar de ações e da postura do então vice presidente Ulisses Salgado - meu superior direto.

Muitos podem pensar que este boom na mídia foi um acidente de percurso, obra da sorte, um ato espontâneo devido às tradições do America e à chegada de Jorginho, afinal ele tinha uma assessoria de imprensa e o time foi bem. Para comparar, a exposição do time, durante a Taça Rio foi pouco maior que US$ 2 milhões (mais de DEZ vezes menor)

Além disso, o America teve tratamento de time grande nas transmissões ao vivo pela TV: 4 jogos transmitidos na Globo, 4 no SporTV, 8 na Globo Internacional e TODOS no Pay Per View, MESMA exposição de Flamengo, Vasco, Botafogo e Fluminense.

Qual a diferença? Todos os dias eu dava cerca de 40 telefonemas e enviava press releases para quase 500  jornalistas de veículos no Rio de Janeiro, Brasil e até no exterior. Sem contar visitas, almoços e jantares. Isto se chama NETWORKING, ou gestão de rede de relacionamentos.

O Globo não vai colocar uma reportagem - talvez nem uma nota - para dizer que o America acabou de contratar o "Neto Júnior", artilheiro da 3º Divisão do Piauí. Nem ser campeão de peteca na categoria Sub 13 em torneio entre os clubes da Zona Norte do Rio pode ser considerado notícia. Tem que ter conteúdo, É necessário planejamento. 

Precisa ter alguém que saiba fazer o "carteiro morder o cachorro".

"Você não pode controlar os ventos, mas pode ajustar as velas" E. Hemingway.

O America tem jeito.

Mario Linhares
mariolinhares@yahoo.com.br

 


Um comentário:

  1. Perfeito o texto Mário. É esta visão de Clube empresa com gestão de primeiro mundo e um projeto abrangente onde o marketing seja o sustentáculo de todo o processo, que tem que ser urgentemente inserida! Mas como sabemos, será preciso antes vencer este conservadorismo administrativo, ultrapassado e decadente. O América precisa passar por uma grande mudança de mentalidade, para que as pessoas certas possam chegar...
    Paulo Carreira

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